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Curitiba

?ndios urbanos est?o perdendo suas ra?zes

Quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Última Modificação: 05/11/2018 13:39:06


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Sem estrutura, a aldeia Kakané Porã, instalada no Campo de Santana e em meio aos “homens brancos”, vê a tradição indígena definhar

No galpão circular de madeira, três crianças de sangue indígena se debruçam sobre os cadernos. Copiam do quadro-negro palavras em caingangue que estão ligadas a vocábulos em português. A escola improvisada está encravada no centro da Kakané Porã, a primeira aldeia urbana do Sul do país, instalada em 2008, no bairro Campo de Santana, em Curitiba. É o último suspiro dos índios urbanos para tentar manter suas raízes em meio à cultura do “homem branco”.

 

Assentada em um conjunto da Companhia de Habitação (Cohab), a Kakané Porã tem 37 casas populares de alvenaria, construídas em lotes diminutos. Ali, os cerca de 220 descendentes das etnias kaingangue, guarani e xetá vivem longe do estereótipo de uma aldeia indígena.

As ruas lembram as de uma vila comum. Amiúde, o silêncio da tarde é quebrado por uma música sertaneja ou um funk carioca, que ecoam de caixas de som, enquanto a criançada brinca com cachorros. Todas as famílias têm entes que trabalham fora, como, por exemplo, motoristas, cobradores, seguranças ou operários da construção civil. Da cultura das três etnias, pouco resta.

“Os governantes fizeram e fazem tudo para acabar com o direito dos povos indígenas. Não tem espaço pra nós. A tendência é piorar”, lamentou o cacique Carlos Luiz dos Santos, um caingangue nascido em Mangueirinha.

Na avaliação dos índios, parte dos costumes está sumindo pela falta de infraestrutura e de apoio do poder público. Hoje, as 63 crianças da aldeia estudam em colégios de bairros vizinhos – e não raramente faltam vagas ou transporte. Para tentar resgatar a língua nativa é que se improvisou a escola, onde duas vezes por semana são dadas aulas de reforço, em idioma caingangue. Poucos alunos, no entanto, as frequentam.

“Vêm poucos [alunos]. Dos que vinham, muitos já pararam”, contou a professora Rosane Salete Rodrigues. “Já perdemos as danças típicas, a comida, o ritual. Só ficou a língua nativa. Tenho medo de que isso se perca também”, acrescentou.

O artesanato também está perdendo espaço. Apenas oito famílias fabricam adornos e cestarias, a partir de taquaras, sementes e penas. As peças são vendidas de forma independente, no Centro de Curitiba. Não existe uma política para organizar a produção e a venda dos artesanatos.

“Não temos a mínima estrutura para mantermos nossas raízes. Já completou cinco anos que estamos aqui, mas não tem o que comemorar”, disse Antonio Cláudio Moraes, presidente da Associação Abeak Porã.

Aldeia com cara de vila

Não fosse a placa de madeira – em que se lê “Aldeia Kakané Porã” – afixada na entrada do conjunto habitacional, dificilmente se saberia que o lugar se trata de uma comunidade indígena. Os elementos da cultura do “homem branco” podem ser percebidos por toda parte, das casas de alvenaria padronizada, com antenas de tevê por assinatura, aos carros e motos estacionados na garagem. A fauna é composta por muitos cães e gatos, além de gansos, galos e galinhas d’angola, criados por uns e outros moradores.

“Toda semana vem escolas visitar a gente, mas eles ficam de cara. Acham que vão chegar aqui e ver todo mundo pelado ou vestindo pena. Isso não existe mais”, disse o cacique Carlos dos Santos.

Em uma das primeiras casas, Lisa de Oliveira construiu um salão de cabeleireiro. A clientela é formada, principalmente, por pessoas que não moram na aldeia. “Ontem, atendi o dia inteiro. Vem muita gente de fora”, disse.

Os traços indígenas não estão presentes em todas as fisionomias. Quase todas as famílias são miscigenadas, ou seja, os descendentes se casaram com “não-índios”. É o caso de Emanuele Previde Paelano. Há 12 anos, ela é casada com o caingangue Luiz Carlos Paleano, com quem tem um casal de filhos. O marido é pastor evangélico. “A cultura do índio é muito diferente. Aqui, não tem muro ou cerca. Não existe quintal fechado. A tranquilidade e o ritmo de vida são outros. Aqui se dá muito valor a coisas simples. Isso se mantém”, apontou Emanuele.

Fonte: gazeta

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